LÍNGUA PORTUGUESA, INTERDISCIPLINARIDADE E CIDADANIA NA PRAÇA

Cansado do tradicionalismo da escola onde lecionei por um tempo para as turmas de 3ª a 5ª série, inicialmente e depois da 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental, resolvi trabalhar com os alunos de forma diferente. Então propus aos mesmos que trouxessem o maior número de rótulos possível que cada um pudesse conseguir.
Em sala, pedi que separassem os rótulos por classes: alimentos, com o grupo A; bebidas, com o grupo B; e outros gêneros, com o grupo C – colando-os em cartazes de acordo com esta classificação.
Após uma grande “balbúrdia” – no bom sentido –, discussão sobre os diferentes tipos de alimentos, bebidas e outros, como cigarros, fósforos, CDs e DVDs..., levando a coordenadora à sala para verificar o que estava acontecendo, pois cada grupo passou a defender o seu gênero como sendo o melhor, fiz a seguinte pergunta: “quem e quantas pessoas usam desses produtos em nosso País?”.
O silêncio dominou a sala!
Propus mais uma vez que diante daquela incógnita, procurassem na internet quais as cidades e regiões mais pobres do Brasil; o que as pessoas mais pobres comem; em que trabalham; com quantos Reais vivem ou sobrevivem por mês; onde dormem; e outras sugestões – também dadas por eles mesmos.
Na aula seguinte chegaram os mais variados resultados, porém o mais interessante foi o espanto deles em descobrir que a Região mais pobre do nosso Brasil é a Nordeste e que a maior parte da população sobrevive com salário mínimo, de aposentadoria através do I.N.S.S. e das tantas bolsas oferecidas pelo governo federal e, principalmente, que muitos trabalham de sol a sol para ganhar menos que um salário mínimo.
Com tal constatação, um aluno sugeriu que fôssemos à praça mais movimentada da cidade para mostrarmos aquela realidade.
Acatada pela turma, sugeri a criação de textos e gráficos para tal apresentação.
Nesse ínterim, um aluno falou que seu pai tinha muitas fotos do bairro mais pobre da cidade e poderia as disponibilizar – caso nos responsabilizássemos em cuidar bem delas.
Até aí tudo bem! Afinal era a programação da turma com o professor de Língua Portuguesa.
Como a programação fora da escola iria tomar todo expediente e as aulas de Português eram apenas duas, precisava que fossemos liberados das outras três – apesar de já ter conversado com o professor de Matemática e o mesmo ter dito que compraria a “briga” com a coordenação/direção da escola em junção a nós.
Hora da verdade: chamamos a coordenadora, expusemos o material, apresentei-lhe todos os objetivos e, por fim, comunicamos que dois dias depois iríamos à praça para mostrarmos aquela realidade – não foi pedido, foi afirmação.
Resposta imediata: - E quanto as aulas dos outros professores, porque não podemos deixar de cumprir com o calendário e isto vai atrapalhar, já estamos no final do ano...
Depois de muita insistência, argumentos e pedidos, ela foi chamar a diretora, que nos ouviu e, meio relutante, permitiu, “desde que os outros três professores participassem daquele evento”.
Resultado: os alunos deram show de cidadania, consciência crítica, civismo, moral e conhecimentos matemáticos, linguísticos, de conhecimento histórico, geográfico, dentre outros, pois as pessoas que moravam próximas à praça viram, fotografaram, perguntaram... os pais se fizeram presentes e foi esta uma das melhores aulas de Língua Portuguesa já dada por mim.
Toda a aula – da coleta das marcas até a sua exposição – durou duas semanas, pois a culminância foi numa sexta-feira, dia de feira na cidade.



Luiz Bomfim de Oliveira